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10.9.12

Esta bicicleta é para saíres pelo portão de casa e deixares as vozes e o ar pesado. É para seres mais rápido que um pássaro em queda, mais intenso que o riso do sol no riacho. Esta bicicleta é para atravessares a ponte e lançares pedras às pedras da ribeira. É para sentires no rosto os grãos de arroz do orvalho veloz. Fugires da beleza e pedalares pelo nevoeiro sem hélice e sem motor.  Porque de cima do monte apenas as estrelas são maiores e as fontes têm o sabor dos fetos de manhã. Toma esta bicicleta para assobiares aos cães que te persigam, para a deixares no mato contra um muro, sobre a areia da praia, em qualquer poente, em qualquer acampamento. És o herdeiro deste meu cavalo de ferro. Monta-o, conquista os ermos e regressa. 
Uma nuvem chega para cozer um búzio. Um búzio para os amigos no vapor  morno da casa de férias depois do verão. As fotografias penduradas no pó desses antigos heróis. Na verdade eles também ilhéus, tantas vezes à distância do voo de um cagarro, como encobertos e sem significado. Só a concha soprada como vidro contra as marés nos fará chegar a sua luz. Os amigos são os primeiros passos sobre a velha praia. A visão do fogo verde vegetalmente verde e lento, inicial a descobrir a encosta, a ilha e as casas. Que faria sem o olhar dos amigos vivos e mortos? Como seria  o mau tempo sem me estenderem depois um pente ou uma harpa com espinhas na boca?  Esses que heroicamente se dilaceram em carros velozes, vivem em corpos que já não são os deles, arrancam o estômago e entregam o escalpe ao anjo sorrindo. Lembro a caligrafia desses amigos que fugiram deles para a vida e são agora nevoeiro. Tomo essa escrita diariamente. Igual à memória de um barco que já não passa, à água fresca na garganta após o antibiótico.