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29.5.12

Um sorriso a nascer límpido na boca, a sombra de uma videira com insectos, o musical crescimento dos filhos, dos lírios, a escada de luz no teu cabelo, o calor da mão que dorme no meu peito e, sim, a simples memória de te esperar no carro, antes de tudo isso acontecer. 
Lua cheia de risos,
na estrada uma vespa
chama o amor

24.5.12

Entre as duas estações do metro passo por um mercado romano soterrado, ossos, azulejos partidos sem ar e no escuro, anotações de escrita em antigos portos, bocados adormecidos de cidade. Quem os ouve? Apoiamo-nos como vinhas em estacas ao vento dos solavancos na carruagem. Somos o presente com pregos na boca, com dedos hirtos e roxos. E se floríssemos?

13.5.12

Um simples torrão de terra pode moldar-se num coração. Na verdade esta praia já foi o lenço usado por uma estrela e o aço dos navios ao largo a artéria entupida de uma longa cordilheira. Não duvido que esta lua cheia para insectos foi a garra de um mamífero no interior do penhasco. E aquele que cresce no escuro e inunda os corações como um colete salva vidas foi já o primeiro sorriso sobre a praia, a firme pegada dos peixes quando cantávamos e subíamos as dunas. 

9.5.12

Deu para estrelar um ovo na chapa do casebre. Ver nascer o soro no teu peito lácteo. Mesmo antes do nascer do sol e das duas águias empoeiradas voarem subitamente do poço com pouca água. Fôssemos nós com elas em direcção ao golfo. Beijamo-nos como répteis que ingerem frutos sumarentos ou como crinas coladas pelo suor ao interior de uma sela. Pertencemos ao pó como o crepúsculo e todos os interstícios da montanha. Amo-te Lucy Ewing. Eleva-se a câmera. Segue-se um plano que mostra a extensão verde e árida do vale, altura em que o suor da plateia levita na casa do povo um cheiro a costa, um cheiro a deserto, a cadáver talvez na fila D. We're in Texas.

7.5.12

Dás-me a tua mão na rua que é nova para ti. Não há enxame de ouro que se compare ao carrossel da tua mão.

3.5.12

Chegou talvez a hora da nossa revolução. Uma revolução de roupa rasgada, de povo a transpirar nos lençóis ao grito da guilhotina na janela. Uma revolução mais caseira do que a transmissão em directo do funeral do imperador. Uma revolução com flores na boca, com escamas na boca, com beijos saídos do duche na boca e corpos que se enxugam de orvalho com fome. Vamos fazer uma revolução com mãos aquecidas pelo forno, com óleo, com violetas, tambores e notas que transcendem o alarme disparado na biblioteca. Porque ao fim do nosso tempo damos ainda um abraço com beijo no parque, enquanto os negros cães nos ladram ocasionalmente, não por ódio, mas por saberem que um amor tão inscrito como o nosso no céu astral é venenoso neste bairro de ruas simétricas e encardidas. Vamos rapar o que nos sobra de animal e como jovens em liberdade grafitar este nosso amor tão fácil, grandioso e simples. É só o que nos resta contra o atraso, contra qualquer atraso, o do verão a morrer na tua boca, a chegada da maré ao teu umbigo, o fósforo que se acende sobre os romances do século, o cheiro a molotof na sumaúma das almofadas.