marcadores

24.4.12

A estrada dos amantes é uma via romana gasta e sem umbigo. Está cheia de cartas que permanecem coladas pelo rasto de caracóis nocturnos e de mapas que por outra razão nunca serão desdobrados. A estrada dos amantes está cheia de buracos. Gigantes preguiças de prata pendem como hospitais vazios. Há grutas de orvalho e de liberdade, há bolor pelas paredes do quarto dos amantes e camas que latejam e malas que nunca chegam ao seu destino porque se extraviam de amor na estação mais improvável. Só tem um sentido e um ovo estrelado e trinta minutos roubados no supermercado.

22.4.12

Agarra o coração com as mãos e salta 
Para beijar a lua na água turva
o sentido do ar indica a superfície

20.4.12

Sê desigual como um malmequer, intermitente como um rio, mais do que a sombra de um insecto, mais do que o metal do teu nome. Sê imperfeito como a inscrição dos meteoros. E possa a voz dos pássaros ser a dos teus versos e a raíz das árvores o teu barco e as tuas armas. 

19.4.12

Pela noite ao largo os barcos dos pescadores serram o ouvido aos moradores. Sereias iguais só mesmo os frigoríficos do bairro comprados a prestações ou numa ou noutra casa o súbito grito dos trituradores. Culpados? A culpa é de quem come.
O som da tua roupa a cair no chão, do teu corpo a andar translúcido pelo quarto, a visão do teu cabelo quando corres, o teu sorriso de olhos fechados e atentos são coisas que ultrapassam o teu nome. Subi à tua janela para te acordar e fiquei a ver-te dormir. Podias ser mais do que crisálida e eu mais do que salgueiro que  a esta hora toca lunarmente com os braços nus na tua cama ou no jaguar estacionado há anos em frente à garagem. Dizem que a tua frieza é a de uma seita religiosa, mas para mim és relvado quente onde se pode livremente correr. Quantos físicos não dariam a natureza por um teorema sobre o teu cheiro? Quantos grandiosos raios de luz não dariam a vocação astral pela alegre cana do teu sorriso? Ser absolutamente feliz por irmos de noite mergulhar na solidão do mar frio, animais vestidos sem nome, nus para a vida, jovens para toda a vida.

9.4.12

Coli não é colo nem heróico cão. É o primeiro som que a língua faz na tua boca. Todas as palavras aguardam pelo degelo de onde desce o teu barco de papel. Todas as palavras esperam violentamente felizes pelo lápis do teu sorriso.

1.4.12

Em viagem baralho as cartas, abro a janela e cuspo. Cuspo o que parece ser verde e amargo. Começa por ser uma praia do norte com ondas sem sapatos, mas depois é uma cintura de luzes que se contorce cada vez mais longe atrás do farol,  uma geada de açúcar  que congela várias plantas, insectos e até o olhar que sempre falará da grande barragem. Às vezes é melhor não voltar a casa. Este comboio que pára em todas as estações sem entrar ou sair ninguém. Lento. Demasiadamente lento. Com abandonados romances de baixo relevo em letras douradas em baixo relevo e pastilhas estampadas no écran em viagem. Vomito paisagens como se estivesse de ressaca do mundo. Vomito enquanto passageiro um rapaz ao meu lado que se julga um homem sem alegria e que absurdamente nunca sonhou com o ruído de um revólver ou com a água e o lodo a cobrir a memória de uma casa ou com o cheiro a bolo e a mijo que se prende ao corpo no orfanato.