Encontrada a descer a rua dos navegantes
No assento castanho do eléctrico à Estrela
Encontrada no ralo do esgoto do Império
Na cozinha pequena de azulejos partidos
Encontrada ao sol na areia do Tejo
como lata de atum ou camisa de vénus
Encontrada num talher da Brasileira
No escuro provador dos Armazéns Chiado
À saída do curro da praça de touros
Encontrada no chão do estádio universitário
Suspensa na porta do banho turco
Encontrada afinal no vidro do carro
Numa das pedras do Terreiro do Paço
O que longe acrescenta à vista curta
uma lente de contacto
poema celular
&
8.1.14
17.10.13
Vendi o meu braço
frio
Por uma pedra pesada
Vendi o meu cavalo vermelho por um saco-cama
Para desaparecer na estrada
Lentamente como lágrima
Encaixei tudo, toda a sede
Na mochila (é como conto a história)
Poderia pintá-la sem tela
Ou projectá-la em filme sem espectadores
Minhas milhas
Vão-me tornando leve
Como leve o coração a roer-me o peito
Uma luz que triunfa e ergue no espaço
A soma dos meus inchaços
Quero tudo de uma vez
E para isso tenho
Muitos bocados do mundo
(como vem na história)
Quero a nudez sem corpo
Quando chegar a Primavera
Por uma pedra pesada
Vendi o meu cavalo vermelho por um saco-cama
Para desaparecer na estrada
Lentamente como lágrima
Encaixei tudo, toda a sede
Na mochila (é como conto a história)
Poderia pintá-la sem tela
Ou projectá-la em filme sem espectadores
Minhas milhas
Vão-me tornando leve
Como leve o coração a roer-me o peito
Uma luz que triunfa e ergue no espaço
A soma dos meus inchaços
Quero tudo de uma vez
E para isso tenho
Muitos bocados do mundo
(como vem na história)
Quero a nudez sem corpo
Quando chegar a Primavera
Põe a música mais alto e basta. Já não ouço o que queres dizer. Põe a
música mais alto. À altura das tuas presas, dessa boca que dá para a
água férrea de um rio sem peixes. Porque toda a beleza, toda a etérea
beleza atrapalha no momento em que não te vendes por um bocado de terra,
por um bocado de céu ou por um carro. Põe a música num sítio onde só os
deuses a ouçam. Vem namorar para além do mar. Do cobertor quente das
vozes. Põe a música tão alto que fiquemos surdos e roucos e deixa que os
meus dedos e boca te percorram o corpo esguio, minha mais positiva
aparição da dança, da sede.
23.8.13
14.8.13
# DELFOS
A poesia é um fardo
pois é a
poesia é um saco
de algas comprado na Grécia
primeiro que o poeta
consiga a salada
é um saco
um saco roto
por onde saem os versos
ou um arroto.
pois é a
poesia é um saco
de algas comprado na Grécia
primeiro que o poeta
consiga a salada
é um saco
um saco roto
por onde saem os versos
ou um arroto.
# DELOS
Ao ver os leões petrificados
e o poente na garrafa
do extintor
até as pedras envelhecem
e pedras que foram estátuas
ou mesmo deuses
farão ainda uma praia melhor.
Leiam turistas o mesmo épico e chorem
haverá mais sumo nos versículos
do que sémen
numa escultura de testículos.
e o poente na garrafa
do extintor
até as pedras envelhecem
e pedras que foram estátuas
ou mesmo deuses
farão ainda uma praia melhor.
Leiam turistas o mesmo épico e chorem
haverá mais sumo nos versículos
do que sémen
numa escultura de testículos.
Sábado
O Golo que Malaquias falhou
custou-lhe o número sete
Foi transferido para o corintios
Quando Job marcou penalti
David agarrou a bola
como
a uma cabra com cio
Jacob se levantou do banco
e vomitou serpentes
Ninguém arredou pé
Raquel gritou
Isso é uma merda
e lhe atiraram uma pedra
Adão abraçou Moisés
que beijou Caím
A face lacerada de Caím
A elétrica chuva de sapos
caiu
na calcária praça de Israel
e todos sumiram
Mesmo antes de cantar o solitário trovão
Cientes de que bola é bola
e praga, praga é refeição
14:30
Pó abacaxi
cocada e tiramisú
sushi fio dental
aroma tropical
você me dá tudo isso
sem qualquer bem ou mal
Mas hoje me dê o sexo banal
não importa em que língua o verão
o sentido para uma cama
uma porta de exclamação.
cocada e tiramisú
sushi fio dental
aroma tropical
você me dá tudo isso
sem qualquer bem ou mal
Mas hoje me dê o sexo banal
não importa em que língua o verão
o sentido para uma cama
uma porta de exclamação.
o poeta é tão preguiçoso
que divide em verso
o pouco
que
escre
ve
é para ser o mais pausado
o pau assado
o poeta escreve
como a anciã de noventa anos
ergue a espada no tai-chi
as suas sílabas são pálpebras
lentas
os versos pulmonares
como a escada para o quinto esquerdo
somos luzes intermitentes
faróis
não antes estrelas
imperceptíveis no grande azul
para além das nuvens
os poetas são bacanas
eles fumam maconha
que divide em verso
o pouco
que
escre
ve
é para ser o mais pausado
o pau assado
o poeta escreve
como a anciã de noventa anos
ergue a espada no tai-chi
as suas sílabas são pálpebras
lentas
os versos pulmonares
como a escada para o quinto esquerdo
somos luzes intermitentes
faróis
não antes estrelas
imperceptíveis no grande azul
para além das nuvens
os poetas são bacanas
eles fumam maconha
10.9.12
Esta bicicleta é para saíres pelo portão de casa e deixares as vozes e o ar pesado. É para seres mais rápido que um pássaro em queda, mais intenso que o riso do sol no riacho. Esta bicicleta é para atravessares a ponte e lançares pedras às pedras da ribeira. É para sentires no rosto os grãos de arroz do orvalho veloz. Fugires da beleza e pedalares pelo nevoeiro sem hélice e sem motor. Porque de cima do monte apenas as estrelas são maiores e as fontes têm o sabor dos fetos de manhã. Toma esta bicicleta para assobiares aos cães que te persigam, para a deixares no mato contra um muro, sobre a areia da praia, em qualquer poente, em qualquer acampamento. És o herdeiro deste meu cavalo de ferro. Monta-o, conquista os ermos e regressa.
Uma nuvem chega para cozer um búzio. Um búzio para os amigos no vapor morno da casa de férias depois do verão. As fotografias penduradas no pó desses antigos heróis. Na verdade eles também ilhéus, tantas vezes à distância do voo de um cagarro, como encobertos e sem significado. Só a concha soprada como vidro contra as marés nos fará chegar a sua luz. Os amigos são os primeiros passos sobre a velha praia. A visão do fogo verde vegetalmente verde e lento, inicial a descobrir a encosta, a ilha e as casas. Que faria sem o olhar dos amigos vivos e mortos? Como seria o mau tempo sem me estenderem depois um pente ou uma harpa com espinhas na boca? Esses que heroicamente se dilaceram em carros velozes, vivem em corpos que já não são os deles, arrancam o estômago e entregam o escalpe ao anjo sorrindo. Lembro a caligrafia desses amigos que fugiram deles para a vida e são agora nevoeiro. Tomo essa escrita diariamente. Igual à memória de um barco que já não passa, à água fresca na garganta após o antibiótico.
7.8.12
As folhas aveludadas do verão despontam-te entre os dedos. Primeiro as plantas e as aves conheceram a manhã do mundo antes de sentires como uma árvore o teu destino de piano. O telegrama por onde beijámos o rosto de deus ganha a cor rosa do excremento das estrelas. O progresso ou a passagem do tempo. O andar distraído de um cachorro. A sombra dispersa de uma árvore. Sabes, tenho os olhos como as luzes de um carro depois do acidente. Dá-me um beijo para eu levá-lo na mão para a cama.
1.8.12
As estrelas podem ser fogueiras de deuses. Barcos imóveis no gelo para sempre. Podem ser as escamas solares de um peixe que se come. As pedras do colar arrancado ao pescoço do céu. Só os grilos da noite imaginam sóis iguais às estrelas. A noite plácida que através deles entra em qualquer casa como a sombra de uma árvore ou a palavra de um deus. As estrelas são as migalhas que caíram da toalha sobre a qual jantámos e sei que a luz de uma estrela viaja para além dela. Como as deste céu profundo que não imagina o contorno do teu rosto, só o teu cabelo que brilha como o corpo dos peixes ou o relevo do mar.
20.7.12
Os melros não são mais os melros, mas restos de sol, asas que se fecham como portadas contra o halo fresco da noite. São ainda o sismo das unhas sobre as folhas, o encosto da voz à seiva dos ramos, o olhar disperso, universal como um segundo, no sol coado em várias folhas. Só a lua cheia atrás das nuvens é o comprimido que lhes fecha as pálpebras. E aí sim as lagartas saem com elegantes cores e voam em silêncio ininterruptas, como os melros, que já não existem, sobre as coisas vivas e sobre as coisas mortas.
9.6.12
O amor é a erva que luzidia cresce no canteiro dos beijos. E em que língua dizer que a erva chega já o tronco das rosas. A erva por onde andam nús os teus pés de princesa, que te perfuma as coxas com a ponderação das camélias e o decoro de um cinto. É um incêndio de erva no beijo nosso. Fumamo-lo na tenda fria a preto e branco dos anos noventa. Fumamo-lo na noite estrelada do dia mais longo do ano. A erva do nosso amor vegetal, tão carnal como o crepúsculo, como o desembarque dos dedos no teu corpo, tão vegetal como a aurora e a passagem do ar pelos meus dentes.
8.6.12
29.5.12
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